“Alô? Gostaria de falar com Maria, é o primo dela”, disse um homem do outro lado da linha. “Oi, Heleno, o que houve?”, questionou Maria, achando a voz parecida com a de seu primo. “Oi, e tia como está?”, devolveu o homem. Pronto, essa foi a senha para um golpe por telefone que subtraiu de Dona Maria, 56, R$ 400, constituindo mais uma história de um vasto repertório usado por estelionatários que ganham seu dinheiro criminoso, diariamente, enganando pessoas que caem em suas mentiras.
No caso de Maria, a voz do outro lado dizia que o carro havia quebrado no meio da estrada; como a bateria do celular havia descarregado, ele ligava de um posto de gasolina para obter ajuda. Já com Maria envolvida em seu conto, o homem orientou que ela entrasse em contato com o dono de um guincho que o tiraria do “prego”.
A dona de casa ligou para o mecânico indicado, identificado como Paulo, de quem recebeu os dados de uma conta corrente e pediu para que R$ 400 fossem depositados como pagamento para rebocar o carro de seu parente. Moradora do bairro do Bom Pastor, Maria foi até o Terminal Rodoviário de Natal, em Cidade da Esperança, onde fez o depósito em uma lotérica, naquela mesma manhã de sábado, na conta fornecida.
Após efetuar o pagamento, Maria ligou para o número que tinha de seu primo só para ver se ele já havia recarregado a bateria do celular, conforme lhe disse. O verdadeiro primo atendeu e respondeu que, naquele momento, não estava em rodovia alguma, muito menos com o veículo quebrado. Estava nas imediações da Arena das Dunas, trabalhando nos preparativos para um evento religioso, que aconteceria no mesmo dia, no Papódromo.
Naquele instante, Dona Maria percebeu que caíra em um golpe. Ela voltou até a lotérica para tentar reaver o dinheiro, mas não conseguiu. Ligou para o celular de “Paulo”, o dono do gruincho, que tinha DDD 82 – código de Alagoas –, que também não atendeu mais.
Dona Maria, com raiva de si mesma por ter caído no conto dos criminosos e com vergonha, não quis conversar com a reportagem sobre o assunto. A história chegou ao NOVO pelo #NOVOWhats, por meio de sua filha, a historiadora Karla Melo, 27. “Ela está se sentindo muito mal. Mais do que com vergonha, ela diz que está com raiva de si mesma por ter caído na história, ela se sente tola”, explicou Karla, que recebeu a reportagem em casa e contou sobre o golpe sofrido pela mãe.
Segundo Karla, no mesmo dia ela foi até a delegacia de Felipe Camarão, fazer um Boletim de Ocorrência. Contudo, a unidade estava fechada. Até ontem, a família não havia feito o registro policial. “Mas ainda vamos fazer [o BO], pretendo ir à delegacia sim”, confirmou a jovem.
Essa não foi a primeira vez que Karla e sua família são vítimas de criminosos por telefone. Uma tia dela, no trabalho, também foi abordada por um homem que se dizia seu parente. Ela não caiu na história. Já o pai da historiadora foi alvo do golpe do sequestro, onde os bandidos diziam estar com uma de suas duas filhas e exigiam o dinheiro do resgate. Karla e a irmã estavam em casa, como ele, e com isso o crime foi evitado.
“Ele ficou muito nervoso, mesmo vendo a gente em casa, mas ele ouvia um choro ao fundo da ligação e ficou preocupado. Essas coisas parecem que afetam nossa cabeça. Se a gente não estivesse em casa, era capaz dele ter caído”, disse a jovem. “Tenho muito medo dessas coisas, sempre desconfio quando vejo um número diferente ligando para mim”, acrescentou ela.
Delegado faz alerta aos desprevenidos
Chefe de investigação da Delegacia Especializada de Falsificações e Defraudações (DEFD), Fábio Vila, diz que todo dia chega um tipo de golpe novo na unidade, responsável por investigar crimes de estelionato. Ainda há quem caia no conto do bilhete premiado ou nas mensagens que chegam por celular ou email afirmando que a vítima ganhou um prêmio. Também há quem caia no já famoso falso sequestro ou mesmo na história do parente distante que precisa de ajuda – o golpe que vitimou a mãe da historiadora Karla Melo.
Ainda não é muito comum em Natal, mas Fábio Vila diz que crimes por aplicativos já começam a ser aplicados na capital também. Cada vez mais em desuso, os criminosos começaram a substituir o SMS por ferramentas como WhatsApp, Facebook, Telegram, entre outras, para tirar dinheiro de vítimas desatentas.
Para evitar cair em qualquer tipo de golpe, o chefe de investigação orienta que é preciso desconfiar sempre que a história é boa demais. “O primeiro passo, depois de ouvir a história é desligar o telefone. O negócio é ficar na defensiva, se você fizer isso diminui muito a chance de cair em algum golpe. Não acredite nas histórias”, ressaltou Vila.
Segundo ele, não há estatísticas que consigam mapear os crimes de estelionato no estado, até porque a DEFD só entra em casos envolvendo golpes de mais de 30 salários mínimos (mais de R$ 26 mil). Mas dá para traçar um perfil das vítimas: os jovens costumam cair em histórias via tecnologia, como aplicativos de celular ou redes sociais. Os mais velhos são mais suscetíveis a criminosos com “lábia”, na rua ou pelo telefone.
Fábio Vela faz dois alertas: o primeiro é que geralmente os textos vindos por mensagens apresentam erros gramaticais; o segundo é que os criminosos geralmente vão tentar cativar a vítima com vantagens.
Oito dicas para evitar cair em golpes
A Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social (Sesed) fez um alerta às pessoas como se prevenir contra golpes de estelionato e deu algumas dicas. Confira:
1. Suspeite de pessoas que ofereçam prêmios tentadores, como bilhetes premiados de loterias, joias, recompensas, prêmios fáceis, etc. Desconfie de dinheiro e ganho fácil;
2. Se achar na rua objetos, folha de cheques, cartões, carteiras, imediatamente solicite o apoio da Polícia Militar para o devido registro. Muitas vezes os golpistas usam esse momento para enganar as pessoas, oferecendo falsas recompensas;
3. Desconfie de prêmios que chegam pelo celular, geralmente com DDD de outro estado;
4. Ao retirar dinheiro do banco, guarde-o com cuidado em local discreto. Não conte dinheiro em público e, saindo do banco, certifique-se que não está sendo seguido;
5. Nunca exiba grande quantidade de dinheiro perante outras pessoas. Separe previamente a quantia necessária para suas pequenas despesas (transporte, cigarro, etc.);
6. Evite que os idosos andem desacompanhados por locais desertos ou por ruas de comércio muito movimentado, alertando-os para que tomem cuidado com os “contos do vigário”, praticados por pessoas bem falantes. Cuidado especialmente com pessoas que venham lhe oferecer terrenos em locais distantes, planos de aposentadoria, joias achadas na rua, etc.;
7. Evite a ação de ladrões, não ostentando correntinhas ou joias em locais movimentados;
8. Não se deixe levar por ofertas fabulosas e “negócios da China”.
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